11 de abr. de 2012

Carta aberta à direção da Escola Estadual Embaixador “Bilac Pinto”

"É preciso ousar, aprender a ousar, para dizer NÃO à burocratização da meste a que nos expomos diariamente. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional. Não deixe que o medo do difícil paralise você. Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção"

Paulo Freire

Aracaju, 02 de abril de 2012.

É fato que a situação funcional do profissional da educação licenciado em pedagogia e concursado na Rede Oficial de Ensino do Estado de Sergipe para o exercício da docência, é crítica no que se refere o espaço de trabalho. A política educacional vigente tem posto em prática ações que primam por “extinguir” turmas, turnos e salas de aulas nas escolas públicas, fazendo assim reduzir a cada ano letivo, o campo de trabalho do profissional supramencionado, que é educação infantil, séries iniciais do ensino fundamental e disciplinas pedagógicas no nível médio. A angústia do encerramento de um ano letivo tem sido também ir pra casa sem saber se no ano seguinte, trabalhar-se-á na mesma escola. Isso tem sido rotina na Rede Estadual de Sergipe para inúmeros profissionais da área de formação em pauta. Além do estresse pessoal sofrido por cada profissional por ter que, de novo, se submeter a um conjunto de encaminhamentos burocráticos exigidos legalmente, como: ser “devolvido” pela escola e comparecer a DEA, buscar uma vaga, esperar liberação do ofício de apresentação, destacam-se ainda aspectos outros que impactam diretamente no fazer profissional; não há como criar vínculo com a comunidade escolar, não há tempo para aproximação, conhecimento e estreitamento de comunicação e convivência com o público com o qual se trabalha no processo de educação escolar, no processo de ensino e aprendizagens. Nessa situação como a escola vai fortalecer o seu projeto político pedagógico e assim ampliar a qualidade do ensino? Que sentimento de valorização carrega esse profissional, que a cada término de ano letivo, angustia-se com a ameaça de não ter alunos, na escola, para ensinar?

O histórico

Sou professora licenciada em pedagogia, e, concursada na Rede Oficial de Ensino de Sergipe há quase 25 anos, exercendo a atividade laboral na Escola Estadual Embaixador Bilac Pinto desde 2011, e tenho enfrentado o drama de ao término do ano letivo não saber se terei turma para trabalhar na mesma escola nos últimos quatro anos. Já no mês de dezembro do ano 2011, tratei do assunto por mais de uma vez com diretora da escola, dizendo da minha preocupação com relação à matrícula e formação das turmas para o ano seguinte, e ansiosa para saber se havia alguma estratégia pensada para ampliar o número de alunos. Ouvi que não era preciso preocupação, pois o “pessoal da DEA” havia divulgado em reunião, que a SEED colocaria transporte para deslocar alunos de bairros nos quais as escolas não atendessem a demanda, por falta de vagas, para escolas com vagas abertas. Não foi isso que aconteceu. Na última semana de fevereiro eu ainda não tinha qualquer definição da minha situação, ou seja, se continuaria na mesma Unidade de Ensino, ou se seria “devolvida” a
DEA. Após algumas idas e vindas a escola, a diretora me apresentou a seguinte situação: assumir uma turma de alunos em distorção idade/série a ser posteriormente vinculada ao Programa acelera (Instituto Airton Sena). Sem outra opção, consenti e iniciei o ano letivo com essa turma, na qual estou até o presente momento. No princípio fui informada de que uma supervisora do programa aplicaria um prova com os alunos, o que foi feito na primeira semana de aula. Após uma semana a mesma supervisora informou que a turma seria “Se liga” e não acelera como fora anunciado. Nesse momento cabem questionamentos que não posso me furtar de fazer, visto que sou professora e é da natureza do meu ofício observar os fatos com um olhar crítico, perguntar, questionar, discordar, propor e nunca me conformar, me adequar à determinada situação por garantia de segurança, ou de angariar simpatias e aprovações, negando a minha identidade de trabalhadora no serviço público estatal, que por convicção política e concepção de mundo assumo e pratico o compromisso de contribuir para aprendizagens dos alunos, meninas e meninos para que se façam pessoas adultas emancipadas, críticas e também responsáveis com a construção de um mundo melhor para todos. Seguem as questões:
  1. Que critério de ordem pedagógica, determinou este resultado?
  2. Quem participou da tomada da decisão final?
  3. Qual a dimensão ética dessa decisão?
  4. As mães dos alunos envolvidos aos quais a decisão foi aplicada foram convidadas a opinar, a dizer algo sobre esse fato?
  5. O que o Programa “Se Liga” faz das experiências de vida escolar desses alunos, a maioria já possui no mínimo quatro anos de freqüência a escola?
  6. Porque não se tem uma resposta pedagógica que atenda a ansiedade dos alunos com relação ao destino deles no ano seguinte? Os alunos querem saber: depois do “Se Liga” eu vou para qual série/ano?
  7. Sendo um programa de “correção de fluxo”, como se explica, que após 1 ano no programa, o aluno poderá ficar retido, e no ano seguinte retornar a série regular na qual já havia sido reprovado? Qual o impacto dessa ação na vida do aluno? E no aspecto financeiro da Rede de Ensino?
  8. Como um programa que tem por objetivo fazer “correção de fluxo”, o que implica trabalhar com crianças que já possuem significativas experiências escolar, bem como experiências extra-escolares, exclui o estudo sobre ciências, história, geografia, artes, centrando a sua metodologia somente em matemática e língua portuguesa?
  9. De que forma o programa “Se liga” interage com o Projeto Político Pedagógico da escola?
  10. A complexidade e os desafios dos processos de ensino e de aprendizagens podem ser reduzidas à mera aplicação de uma determinada metodologia? Que concepção pedagógica fundamenta os programas Se liga e acelera?
Diante do exposto comunico a minha não aceitação em participar do programa “Se liga” ou acelera e ao mesmo tempo afirmar a decisão de prosseguir trabalhando na escola e com a turma. As reflexões pontuadas, bem como a decisão formalizada nesse documento encontram fundamentações na LDB, Art.3; Art. 24; Art. 26 e Art.32, Resolução CNE/CEB n.7/2010 e Portaria SEED/n. 7339/2011. Acrescento ainda que na faixa-etária que se encontram e nos níveis de conhecimento que já dominam, os alunos sofrerão prejuízo na sua trajetória escolar, ao permanecerem vinculados aos citados programas de correção de fluxo.
Aproveito a oportunidade para solicitar a direção da escola, o seguinte:
  1. Que promova uma reunião com mães e pais, ou responsável por cada aluno para que se possa informá-los sobre o trabalho desenvolvido na escola. Cada um deve ter o que dizer sobre o fazer didático pedagógico da escola, bem como a situação da matrícula institucional do seu filho, se é se liga, se é acelera, se é regular;
  2. Que a escola leve em conta todo espaço de autonomia pedagógica que possui, garantido pela legislação vigente (Constituição Federal e Estadual), LDB, ECA e Resoluções e Pareceres do Conselho Nacional de Educação, do Conselho Estadual de Educação, Portarias e orientações da SEED, para reconsiderar as formas de organizar turmas e combater o insucesso nos processos de ensino e aprendizagem;
  3. Que nenhuma decisão seja adotada sem considerar o que pensam e o que dizem os pais e mães, professores e também os alunos, porque com os anos de experiência escolar que marcam as suas vidas, cada um saberá opinar sobre esse assunto, além de potencialidades intelectuais que precisam ser “exploradas” didaticamente, a partir de metodologias fundamentadas no princípio de que o conhecimento não é “doação” e sim construção coletiva de sujeitos pensantes, e que precisam ter acesso a toda forma de conhecimento, acesso aos bens culturais e as tecnologias que garantem informação.
Na esperança de contar com a compreensão e apoio da direção e comunidade escolar, no sentido de abrir a discussão, dentro da escola, sobre ações e fatos que afetam diretamente a vida de alunos e professores, reafirmo meus princípios de respeito e consideração, bem como a minha disposição profissional de prosseguir trabalhando com afinco, seriedade e compromisso com a melhoria da qualidade de aprendizagem dos alunos, e da qualidade da escola pública sergipana.
Atenciosamente,

Profa. Sandra Maria Xavier Beiju.

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